Prêmio Antonio Flávio Pierucci de Excelência Acadêmica ANPOCS/2017, por Elide Rugai Bastos (UNICAMP) e Nísia Trindade Lima (FIOCRUZ)

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Profa. Elide Rugai Bastos ao lado dos Profs. Simone Meucci, Mario Medeiros, Mariana Chaguri e André Botelho

Elide Rugai Bastos: sensibilidade e ciências sociais

Nísia Trindade Lima (FIOCRUZ)

    Estou imensamente honrada pelo convite para falar nesta merecida homenagem a nossa querida Elide Rugai Bastos, a quem a ANPOCS concede o prêmio Antônio Flavio Pierucci de Excelência Acadêmica. Não tendo sido sua orientanda na pós-graduação ou mesmo frequentado disciplinas sob sua responsabilidade, sinto-me um tanto sua orientanda pelo diálogo que sempre estabelecemos no GT de Pensamento Social na Anpocs e, sobretudo, pelos ensinamentos de uma grande intelectual, mestre e amiga, alguém com quem é sempre agradável conviver. Se nosso amigo Ricardo Benzaquen estivesse conosco falaria, com sua conhecida erudição, sobre o valor e os sentidos da amizade. De um modo mais prosaico, apenas expresso minha alegria por compartilhar com Elide, além de laços intelectuais, uma grande estima.

    Elide Rugai Bastos possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1960), mestrado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (1980) e doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1985). É Livre-docente em Pensamento Social pela Unicamp, onde é Professora Titular. Foi editora da Revista Brasileira de Ciências Sociais (ANPOCS) de 2001 a 2005, é atualmente editora da revista Lua Nova (CEDEC). Possui extenso currículo com muitas orientações, publicações de artigos em periódicos científicos e de livros, no Brasil e no exterior. Dentre estes últimos, destaco As criaturas de Prometeu. Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira, de 2006, baseado em sua tese de doutorado de 1985; Gilberto Freyre e o pensamento hispânico. Entre Dom Quixote e Alonso El Bueno, de 2003; e, publicados na França em colaboração, L’Intellectuel, l’État et la Nation, de 2006, e Intellectuels et politique. Brésil-Europe – XIXe-XXe siècles, de 2003.

    Esta homenagem é o reconhecimento à coragem da sociologia de Elide Rugai, como bem apontou André Botelho em belíssimo texto – Elide Rugai: a coragem na sociologia – durante a homenagem que a Unicamp fez neste ano de 2017 a uma de suas mais importantes e dedicadas professoras. Coragem, como ele afirma, que etimologicamente significa agir com coração. Eu gostaria de realçar um outro traço da sociologia de Elide, sua extrema sensibilidade, sensibilidade que a faz capaz de mergulhar no que Montaigne considerou o maior desafio intelectual: interpretar as interpretações, cerne das análises no campo do pensamento social.

    Há no conjunto da obra de Elide, seja seu trabalho de referência sobre Gilberto Freyre ou seus textos sobre Florestan Fernandes e a chamada escola sociológica paulista uma hipótese central que pode ser enunciada da seguinte forma: sem compreender tanto as ideias como o lugar social dos intelectuais é impossível entender o movimento geral da sociedade brasileira.

    Em homenagem a Elide, em seminário promovido pela Biblioteca Virtual do Pensamento Social (BVPS), dois colegas, João Marcelo Maia (CPDOC/FGV) e Antonio Brasil Jr. (PPGSA/UFRJ), indicaram contribuições da maior importância que eu gostaria de lembrar aqui. O primeiro acentuou a importância da análise do pensamento conservador para a compreensão da dinâmica social brasileira, do que é exemplar a obra da autora sobre o pensamento de Gilberto Freyre. Como observa a própria Elide, seu argumento sobre o pensamento conservador de Freyre e sua importância na sociologia brasileira aproxima-se da análise de Robert Nisbet sobre a importância do pensamento conservador para a construção da sociologia como campo de saber. No caso de Antonio Brasil Jr., destaca-se a discussão metodológica sobre a força social das ideias e a compreensão de sua relação com as práticas sociais, como uma via de mão dupla, análise que como nos explica a autora tem forte influência nos trabalhos de Venturi.

    Concordando com as análises de meus colegas, quero aqui ressaltar a sensibilidade de Elide para uma sociologia permeada pela imaginação histórica, capaz de recorrer aos clássicos do pensamento brasileiro para interrogações sobre o presente. Diante dos desafios de uma sociedade com persistentes desigualdades e certamente em um dos momentos mais difíceis para a preservação e o avanço das conquistas democráticas, Elide nos desafia a olhar com lupa a experiência histórica recente e nela encontrar raízes que nos remetem à tradição conservadora. Mas certamente o desafio maior é o da construção de ideias e de um projeto para o país que nos permita superar os impasses atuais. Obrigada Elide por sempre nos animar intelectual e pessoalmente frente aos enigmas de um país que tantos buscaram decifrar, em um esforço, por nós atualizado, e que é também marcado por permanente imaginação política, tão necessária para o trabalho da sociologia.

Trabalhos mencionados:

BASTOS, E. R. As criaturas de Prometeu. Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global, 2006.

_______. Gilberto Freyre e o pensamento hispânico. Entre Dom Quixote e Alonso El Bueno. Bauru: Edusc, 2003.

BASTOS, E. R.; ROLLAND, D.; RIDENTI, M. S. (Org.). L’Intellectuel, l’État et la Nation. Paris: L’Harmattan, 2006.

_______. Intellectuels et politique. Brésil-Europe – XIXe-XXe siècles. Paris: L’Harmattan, 2003.

BRASIL JR, A. “As ideias como forças sociais: sobre uma agenda de pesquisa”. Sociologia & Antropologia, vol.5, nº 2, 2015.

MAIA, J. M. E. “Os sentidos da tradição: um estudo de caso no pensamento social brasileiro”. Sociologia & Antropologia, vol.5, nº 2, 2015.

Pronunciamento da Profa. Elide Rugai Bastos (UNICAMP) por ocasião do Prêmio Antonio Flávio Pierucci de Excelência Acadêmica ANPOCS/2017

Em primeiro lugar agradeço à diretoria da ANPOCS a atribuição do prêmio de excelência acadêmica Antonio Flávio Pierucci. Creio que a escolha de meu nome se deve mais à generosidade dessa diretoria do que às minhas qualidades.

É uma honra recebê-lo tanto pelo que ele significa para a área de sociologia como pelo intelectual que o intitula. Flávio se destacou pelas pesquisas que fez, pelos livros e textos que escreveu, pela atuação como professor, orientador, pelo polemista que foi e mais ainda pelo seu compromisso com a universidade. Isso sem esquecer sua presença importante na ANPOCS. Quando iniciou sua carreira docente o fez na PUC de São Paulo, no departamento de sociologia onde eu era professora. Nessa época organizamos em colaboração uma pesquisa sobre a procedência dos alunos do curso de ciências sociais, trabalhamos juntos discutindo programas de disciplinas e coordenando
uma comissão para reformulação do currículo desse curso. Com essa proximidade nos tornamos muito amigos. Sua morte foi uma grande perda para a universidade, para a sociologia e para o debate das ciências sociais. Eu perdi um grande amigo e este prêmio sempre me fará relembrá-lo com afeição.

Tive uma longa carreira que desenvolvi ao lado de inúmeros colegas e amigos. Iniciei minha atividade de docência na PUC de São Paulo, passando em seguida pela UNESP em Araraquara, chegando depois à UNICAMP, onde estou até hoje em atividade. Tive há poucos anos a oportunidade de somar essas valiosas experiências à tarefa de pesquisadora sênior na UNIFESP, campus de Guarulhos, onde ainda atuo, também fazendo parte da Cátedra Edward Said. Estive em vários momentos na comissão da CAPES e ainda na direção da ANPOCS e na editoria de sua revista RBCS. Também no CEDEC, durante alguns anos como editora da revista Lua Nova e coordenando um projeto temático em companhia do saudoso amigo Gildo Marçal Brandão, com a participação de pesquisadores muito competentes, que hoje atuam como docentes em várias universidades e com os quais continuo em contato trocando experiências e mantendo-nos como amigos. Por essa trajetória estou ciente que muitos desses colegas poderiam e/ou deveriam estar aqui, em meu lugar.

Essas andanças me puseram em contato com muita gente com quem aprendi, ganhei conhecimentos preciosos tanto em relação às ciências sociais como em relação ao valor da amizade. Deixo de citar nomes para não cometer nenhuma omissão que a emoção deste momento poderia provocar.

Mas quero fazer um agradecimento especial aos meus orientandos e ex-orientandos. Eles representam o crème de la crème de minhas experiências. Com eles aprendi que orientar não é impor ideias, métodos, formas de pensar, mas um processo de respeito à sua individualidade, seu modo de ver o mundo, os problemas, a ciência, a universidade. Sei que muitas vezes fui ou tentei ser intolerante, irreverente, autoritária, mas felizmente eles sempre me colocaram no meu devido lugar: isto é, me lembraram de que o orientador representa um diálogo privilegiado por eles (afinal o escolheram), mas que a criação é deles. Com isso representam hoje o apoio que encontro para continuar meu trabalho, o grupo com quem troco ideias, que me ajuda a atualizar temas e leituras, além de grandes amigos.

Para terminar agradeço a apresentação de Nísia, uma pessoa especial, grande intelectual, amiga que, como ouviram, me olha através de lentes muito benevolentes.

Caxambu, 23 de outubro de 2017

Elide Rugai Bastos



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